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26/03/2021 às 14h45min - Atualizada em 26/03/2021 às 17h19min

Acia pede e Justiça determina reabertura do comércio em Araraquara

Por Willian Oliveira Em decisão liminar preferida na tarde desta sexta-feira (25), o juiz da Primeira Vara da Fazenda Pública de Araraquara, Ítalo Fernandes Pontes de Camargo Ferro, determina a reabertura do comércio de Araraquara. A decisão veio depois de um pedido feito pela Associação Comercial e Industrial de Araraquara (Acia). A Prefeitura vai recorrer da decisão. Na sentença o magistrado classifica a medida adotada por Araraquara como "inconstitucional'. "A inconstitucionalidade do decreto municipal é flagrante, sem dúvida nenhuma, porquanto traz sérios obstáculos ao comércio em geral, impedindo que se desenvolva em favor da população, levando a efeito a miséria e a fome, ferindo a previsão constitucional de erradicação da pobreza", escreveu o juiz no documento. O presidente da ACIA, José Janoni Júnior comemorou a decisão e afirmou que os empresários saberão usar essa decisão com sabedoria e compreensão de que o momento ainda é de muito cuidado. "Ainda não tivemos tempo, mas vamos emitir um documento orientando as empresas a seguir todos protocolos sanitários", disse ele. Veja a nota da Prefeitura na íntegra: O Município de Araraquara recorreu, na tarde dessa sexta-feira (26), junto ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, da decisão, em primeira instância, contra as medidas de isolamento social expedidas por juiz substituto da Comarca de Araraquara. As medidas de isolamento social têm por objetivo impedir que a pandemia cresça entre os moradores de Araraquara, levando ao colapso o sistema de saúde e gerando mortes. As medidas em defesa da vida, tomadas pelo Município, têm respaldo na Constituição Federal, em decisão do Supremo Tribunal Federal. A decisão judicial expedida, já em fase de recurso impetrado pela Procuradoria Municipal, confronta apenas os decretos publicados pelo Município, de modo que prevalecem e estão mantidas as restrições estabelecidas pelo Decreto Estadual. O Município continuará a fiscalização, fazendo cumprir o decreto estadual que enquadra a cidade e a região de Araraquara na fase emergencial. Confira a íntegra do documento: ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E INDUSTRIAL DE ARARAQUARA impetrou Mandado de Segurança Coletivo em favor de seus associados, comerciantes do município, cujo quadro social é formado em sua maioria por Micro e Pequenos Empresários, visando combater ato exarado pelo PREFEITO MUNICIPAL DE ARARAQUARA. A impetrante afirma que representa 450 empresas dos mais diversos ramos, pequenos empresários que sofrem com as restrições impostas pelo Decreto do Município nº 12.507, de 12/03/2021, dispondo acerca de medidas restritivas e com severas consequências, permitindo o funcionamento de estabelecimentos com portas abertas somente às atividades essenciais (ramos alimentícios e saúde). Defende o princípio constitucional da isonomia e a inconstitucionalidade do ato normativo impugnado, por violar direitos fundamentais dos cidadãos (trabalho e livre locomoção). Postula a concessão de liminar a fim de autorizar as empresas associadas a funcionarem no período de vigência do citado Decreto Municipal, com portas abertas, limitado o quadro de colaboradores, distanciamento de 3 metros, uso de álcool em gel, tapetes sanitizantes, limitação dos consumidores nos estabelecimentos e observação do horário de funcionamento firmado no decreto. No final, pleiteou a concessão da ordem confirmando a liminar. A inicial veio acompanhada de procuração e documentos de fls. 09/46. É, no essencial, o relatório. Fundamento e decido. Com efeito, com base em uma cognição sumária, típica desta fase processual, vislumbro, no caso em tela, a configuração dos requisitos legais necessários à concessão da liminar no presente mandado de segurança (mandamus), a teor do disposto no artigo 7º, inciso III, da Lei n.º 12.016/09, motivo pelo qual a medida pleiteada deve ser deferida. A impetrante afirma que o Decreto Municipal n.º 12.507/2021 estabelece regras para prevenção e controle da pandemia que atinge nosso país (covid), mas não garante o mínimo de respeito aos direitos fundamentais conferido à população na Constituição Federal. O tema realmente merece a devida cautela diante da grave crise na saúde. Entretanto, com a devida máxima vênia daqueles que pensam o contrário, as restrições impostas no Decreto Municipal n. 12.507.2021 realmente são inconstitucionais, pois ferem garantias fundamentais da Constituição Federal. Na verdade, as restrições impostas não só ofendem as garantias constitucionais como provocam também sérios problemas sociais, como a miséria e o agravamento da fome. O Professor Walter Belik da Universidade Estadual de Campinas Unicamp, faz o seguinte alertar: "Segundo o economista Walter Belik, especialista em Segurança Alimentar e professor do Núcleo de Economia Agrícola e Ambiental do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), como os dados foram coletados antes da pandemia, a situação deve ter se agravado ainda mais este ano." (https://www.eco.unicamp.br/midia/pandemia-agravou-inseguranca-alimentar-e-Brasil) Entidades internacionais sem fins lucrativos também começam ressaltar sobre a questão da fome e suas gravíssimas consequências, inclusive com inúmeras mortes por todos os países, principalmente sobre os emergentes como o Brasil, além dos mais carentes e populosos. Vejamos: "Mais pessoas morrerão de fome no mundo do que de covid-19 em 2020 - Novo documento da Oxfam revela que até 12 mil pessoas podem morrer de fome por dia no mundo até o final do ano devido à pandemia. O Brasil está entre os prováveis epicentros globais da fome, juntamente com Índia e África do Sul. (...) Até 12 mil pessoas podem morrer por fome diariamente, até o final de 2020, devido às consequências da pandemia de covid-19. Isso é mais do que o total de mortes diárias causadas pela doença em si. O alerta está no documento O Vírus da Fome: como o coronavírus está potencializando a fome em um mundo faminto que a Oxfam lança hoje." (https://www.oxfam.org.br/noticias/mais-pessoas-morrerao-de-fome-no-mundo-doque-de-covid-19-em-2020/) Entretanto, nosso constituinte não deixou passar desapercebido a questão da miséria e da pobreza, basta olharmos para o artigo 3º, inciso III, da Constituição Federal, quando trata dos Objetivos Fundamentais da Nação Brasileira, destacando a importância da necessidade de garantir o desenvolvimento nacional e promover a erradicação da pobreza. Anoto: "Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;" A pobreza aflige muitas populações e sempre é um tema em pauta em qualquer conferência internacional, pois todos afirmam que seus efeitos levam a morte centenas de milhares de pessoas, com estatísticas assustadoras. A inconstitucionalidade do decreto municipal é flagrante, sem dúvida nenhuma, porquanto traz sérios obstáculos ao comércio em geral, impedindo que se desenvolva em favor da população, levando a efeito a miséria e a fome, ferindo a previsão constitucional de erradicação da pobreza. Em meu sentir, o ato administrativo provoca: 1) O desemprego e a falta de condições de sobrevivência com o mínimo de dignidade; 2) Retira o poder das famílias em prover o seu próprio sustento; 3) Induz a população carente a níveis ainda mais baixos, a ponto de atingirmos a miserabilidade humana; 4) Promove a pobreza em seu termo mais amplo; e 5) Causa o sofrimento do povo em razão da fome que irá enfrentar em razão do desemprego em massa e a falência das empresas. Esses são os efeitos da interrupção do comércio, aliás, consequências já sentidas pela população como vem noticiando a grande mídia. A fome e a pobreza estão umbilicalmente ligadas e trabalham de forma silenciosa nos meandros da sociedade, notadamente nos grandes centros urbanos como o forte comércio de Araraquara. O tema é extremamente preocupante e não se trata de mero exagero, tanto que, em recente publicação, o Jornal do Brasil chega a afirmar que “A fome extrema deve aumentar em mais de 20 países nos próximos meses, alerta a Organização das Nações Unidas (ONU). Em algumas regiões do Iêmen, do Sudão do Sul e no norte da Nigéria, famílias estão morrendo de fome, revela relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e do Programa Alimentar Mundial (PAM). A situação de fome extrema é agravada por conflitos internos, alterações climáticas e pela pandemia de covid-19.” (https://www.jb.com.br/pais/direitos-humanos/2021/03/1029145-ONU: mais de 30 milhões de pessoas estão a um passo da fome extrema publicação de 24.03.2021 -jb.com.br) A ONU confirma a notícia e afirma que a “fome atinge mais de 820 milhões de pessoas no mundo”1, isso sem mencionar as estatísticas de mortes diárias superiores aos dados da Covid-19, mas quanto aos dados estatísticos, entendo não ser o caso de tratarmos da temática na presente demanda. Cabe destacar, ainda, que no decreto anterior houve a determinação de lockdown total no município, as pessoas sequer podiam sair de suas casas, e horas antes da restrição social ter seu início, tivemos graves aglomerações nos supermercados, postos de combustíveis e por toda a cidade, causando efeito reverso daquele almejado. Adotar o fechamento do comércio também ofende garantias constitucionais fundamentais, nos termos do artigo 5º, incisos XIII, XV e LIV, da Constituição Federal, são elas: a) O livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão; b) A livre locomoção no território nacional em tempo de paz; e c) A garantia de que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Assim estabelece o dispositivo constitucional: 1 (https://news.un.org/pt/story/2019/07/1680101) “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;” A ofensa constitucional fica evidenciada também em face do artigo 6º, da Constituição Federal2 , uma vez que o decreto se esquece que são direitos sociais a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, a educação, não apenas a saúde, na verdade, devemos equacionar os direitos sociais para que nenhum deles seja suprimido. O Ministro Alexandre de Mores do Supremo Tribunal Federal menciona em sua competente obra Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional (Editora Atlas, 2002, p. 147), excelente julgado ao interpretar o objetivo fundamental da garantia do desenvolvimento nacional disposto na Carta Magna, fazendo menção que caberá apenas a União interferir na economia para exercer qualquer tipo de controle. Vale aqui citá-lo: "No domínio econômico conjunto de bens e riquezas a serviço de atividades lucrativas a liberdade de iniciativa constitucionalmente assegurada, fica jungida ao interesse do desenvolvimento nacional e da justiça social e se realiza visando à harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção, admitindo, a Lei Maior, que a União intervenha na esfera da economia para suprimir ou controlar o abuso de poder econômico." (STJ MS n.º 3.351-4- DF) 2 “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por ITALO FERNANDO PONTES DE CAMARGO FERRO, liberado nos autos em 26/03/2021 às 12:19 . Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1002909-52.2021.8.26.0037 e código 3B9DF94. fls. 67 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE ARARAQUARA FORO DE ARARAQUARA 1º VARA DA FAZENDA PÚBLICA Rua dos Libaneses, 1998, Fórum, Carmo - CEP 14801-425, Fone: (16) 3336-1888, Araraquara-SP - E-mail: [email protected] Horário de Atendimento ao Público: das 12h30min às19h00min Temos que observar que a ordem econômica visa assegurar a existência digna das pessoas, segundo os pilares da justiça social, vejamos: "Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios..." Portanto, as restrições do decreto municipal provocam inúmeras ofensas constitucionais, a principal, segundo o olhar deste modesto julgador, seria a erradicação da pobreza, uma vez que não é possível tentar erradicar a pobreza provocando forte desemprego na sociedade e falência das empresas em geral. De fato, não há amparo constitucional para ampliar o poder da autoridade coatora para determinar restrições ao comércio e a livre circulação de pessoas em tempos de paz. Não bastasse o exposto, ainda é possível observar a previsão de institutos de exceção previstos nos artigos 136 e 137, da Constituição Federal, para os casos de Estado de Defesa e Estado de Sítio, sendo que somente nesses casos direitos constitucionais poderão sofrer limitações, com o devido respeito, jamais ao livre arbítrio dos líderes municipais. De fato, cabe exclusivamente ao Presidente da República decretar tais institutos. Assim estabelecem: “Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza. § 1º O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes: Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por ITALO FERNANDO PONTES DE CAMARGO FERRO, liberado nos autos em 26/03/2021 às 12:19 . Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1002909-52.2021.8.26.0037 e código 3B9DF94. fls. 68 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE ARARAQUARA FORO DE ARARAQUARA 1º VARA DA FAZENDA PÚBLICA Rua dos Libaneses, 1998, Fórum, Carmo - CEP 14801-425, Fone: (16) 3336-1888, Araraquara-SP - E-mail: [email protected] Horário de Atendimento ao Público: das 12h30min às19h00min I - restrições aos direitos de: a) reunião, ainda que exercida no seio das associações; b) sigilo de correspondência; c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica; II - ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes. (...) § 4º Decretado o estado de defesa ou sua prorrogação, o Presidente da República, dentro de vinte e quatro horas, submeterá o ato com a respectiva justificação ao Congresso Nacional, que decidirá por maioria absoluta. Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de: I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. Parágrafo único. O Presidente da República, ao solicitar autorização para decretar o estado de sítio ou sua prorrogação, relatará os motivos determinantes do pedido, devendo o Congresso Nacional decidir por maioria absoluta." Nessa linha, é fácil notar que durante o Estado de Defesa apenas poucos direitos constitucionais poderão ser suspensos, a saber, direito de reunião, de sigilo de correspondência e sigilo de comunicação telegráfica e telefônica. Nada além disso. Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por ITALO FERNANDO PONTES DE CAMARGO FERRO, liberado nos autos em 26/03/2021 às 12:19 . Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1002909-52.2021.8.26.0037 e código 3B9DF94. fls. 69 A ampliação das limitações será permitida apenas para o caso de Estado de Sítio, mas nessa hipótese o instituto só poderá ser decretado mediante prévia autorização do Congresso Nacional. No caso dos autos, temos assistido a edição de vários decretos municipais sem qualquer concordância ou aval do Poder Legislativo local ou estadual, são editados os decretos com restrições severas, data vênia, sem qualquer amparo constitucional. Entendo incontestável o desrespeito à competência prevista na Lei Maior para se editar os institutos de exceção acima mencionados. Tanto é verdade que em recente decisão (23.03.2021), o E. Tribunal de Justiça de São Paulo ao enfrentar o direito de ir e vir das pessoas em sede habeas corpus, decorrente de decreto municipal que estabeleceu lockdown total, fixou o entendimento de que não se pode restringir direitos constitucionais por meio de decretos municipais, já que as garantias constitucionais, em tempo de paz, não podem ser suprimidas. Assim decidiu o ilustre Desembargador Souza Meirelles: "No âmbito municipal, a formal distribuição destes poderes obedece irrefragavelmente aos primados da legalidade e da constitucionalidade competencial para que possam se manter eretos e íntegros como mecanismos de imposição de condutas social e politicamente aceitáveis. O Prefeito, conquanto depositário de competência para funcionalizar aspectos técnicos secundários da Saúde Pública no seu respectivo plexo de ordenança, mesmo porque o Município integra em complementariedade a tríplice composição do SUS, deve estar atento ao divisor metodológico de águas na redação dos atos administrativos de conteúdo normativo, posto que absolutamente incompetente a autoridade local para suspender ou negar as garantias e os direitos fundamentais recitados na Constituição Federal e em relação a tais direitos aplicar quaisquer penalidades. Há-se de tomar como arquétipo mandatório o 'peculiar interesse', fórmula antiquíssima, pela qual torna-se irrecusável auscultar em quais matérias regulamentares lhe é possível avançar, recuar ou ter se abster. Se é certo que os Municípios detém poderes concorrentes para enfrentar a tragédia sanitária que vivenciamos, inconfutável é que deve fazê-lo em confinamento a medidas de natureza estritamente sanitária, de qualquer modo não se podendo consentir que aos prefeitos sejam Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por ITALO FERNANDO PONTES DE CAMARGO FERRO, liberado nos autos em 26/03/2021 às 12:19 . Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1002909-52.2021.8.26.0037 e código 3B9DF94. fls. 70 delegados poderes constitucionais, muito menos e aqui bate o ponto para suprimir franquias liberais historicamente conquistadas às duras penas na marcha ascendente da civilização, muito menos por meio de simples Decreto. (...) Pode-se-lhe, em circunstâncias especialíssimas, estabelecer mediante atos administrativos normativos condicionamentos não mais que pontuais e fugazes, contanto que tal não imponha modelos de comportamento paradoxais à reserva constitucional intocável, como impedir a livre circulação em escala coletiva de pessoas nas vias e logrodouros públicos, determinar toque de recolher, paralisar a Economia sem efetivas contrapartidas econômicofinanceiras aos súditos etc., porquanto tais provimentos inexoravelmente refogem ao espectro do “peculiar interesse” do Município. (...) Insta deixe-se patenteado que as medidas emergenciais adotadas para conter a disseminação do temível vírus, a despeito do estado de necessidade, não se delineiam providas de força política e legitimidade científica para revogar nem suspender os preceitos fundamentais indelevelmente grafados na Sexta Carta Republicana. Aliás, exatamente nestes períodos de calamidade ou comoção nacional que os direitos humanos precisam ser mais severamente protegidos porquanto neles as vocações totalitárias tendem a aflorar sob os disfarces da temporariedade e da excepcionalidade visando a forjar-se aparente justificativa para a ruptura da ordem jurídica: 'Se admitirmos, como premissa, que direitos fundamentais protegem os bens jurídicos mais relevantes para a pessoa humana, não há porque recusar uma proteção constitucional e integral a estes bens, independentemente de onde provenha a ameaça ou agressão' (DANIEL SARMENTO, A vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais no Direito Comparado e no Brasil, in A Nova Interpretação Constitucional, Renovar, 3ª Edição, 2008, p. 276.) Em tempos de paz, a intangibilidade do ingênito direito de ir e vir ressoa como um dos raros direitos absolutos que possa conceber a ordem jurídica dos povos livres, doutro modo eis-nos retornados todos aos tempos das traquitanas: 'A liberdade de locomoção é um direito fundamental, condição do exercício de um sem-número de direitos. No segundo caso, o constrangimento se limita à privação da liberdade individual, quando esta tem por fim próximo o exercício de um determinado direito. Não está o paciente preso, nem detido, nem desterrado, nem ameaçado de qualquer desses constrangimentos à liberdade individual. Apenas lhe tolhem os movimentos necessários para o exercício de um certo direito; não permitem que volte ao domicílio, que penetre na repartição onde é empregado, que vá à praça pública onde se deve realizar uma reunião política, ou à assembleia política de que é membro' (PEDRO LESSA, trecho de voto vencido no HC n. 3.539, impetrado por Ruy Barbosa no Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por ITALO FERNANDO PONTES DE CAMARGO FERRO, liberado nos autos em 26/03/2021 às 12:19 . Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1002909-52.2021.8.26.0037 e código 3B9DF94. fls. 71 STF) As coisas começam já a perder contornos de legitimidade e as hesitações passam a ganhar terreno à medida em que "decretar" limitações à liberdade dos concidadãos no Estado de Direito Democrático e Constitucional, uma vez verificada a premente necessidade estatal, pertence ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República e não ao Prefeito, em consonância à Carta-Mãe, na qual todas as estruturas de exceção e emergência estão nela personificadas, enumeradas e consagradas através do Estado de Defesa e Estado de Sítio, com vistas a controlar 'comoção grave de repercussão nacional', quão se apresenta o momento da Pandemia Covid-19. Em realidade, a edição do Decreto 18.861, a despeito de conter algumas medidas necessárias, essenciais e legítimas para a vigilância quanto à disseminação do vírus, desbordou-se a implantar um bizarro “Estado de Sítio Municipal” (sic), tanto assim que o texto inspirou sua anatomia estrutural num provável Decreto Presidencial, à guisa de mera exemplificação: a) determinar o prazo de duração; b) especificar os espaços abrangidos; c) indicar as medidas coercitivas; d) restringir circulação de pessoas; e) vedação de reuniões." (Habeas Corpus Cível Processo nº 2058949-51.2021.8.26.0000 Relator: SOUZA MEIRELLES Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Público Município de São José de Rio Preto 23.03.2021) E mesmo que assim não fosse, sabemos que as medidas sanitárias quanto ao uso de máscaras, álcool em gel, distanciamento de um metro e meio entre os funcionários e os consumidores e os tapetes sanitizantes, se adotadas corretamente, são condutas eficientes e recomendadas pela medicina no controle da contaminação do vírus. A título de comparação, na cidade de Jaú, onde reside este julgador, não foi adotado o sistema de lockdown absoluto e o número de pessoas contaminadas regrediu drasticamente, resultado alcançado apenas com a utilização do distanciamento social sem proibições severas. Por tais razões, considero presentes os requisitos legais para a concessão da liminar. Em arremate, anoto o absurdo em face de o decreto determinar no artigo 5º, parágrafo único3, que o estabelecimento congênere na venda de produtos alimentícios, para permanecer aberto ou em atividade, deverá comprovar a comercialização acima de 60% (sessenta por cento) de produtos alimentícios de seus itens de venda e com o mínimo de 7 (sete) produtos da lista imposta no decreto. Isso deixa muito restrita a venda de produtos alimentares, favorecendo os problemas 3 Art. 5º Os seguintes setores e estabelecimentos poderão atender presencialmente clientes e consumidores das 5 (cinco)às 20 (vinte) horas:Parágrafo único. Considera-se estabelecimento congênere, para fins de classificação no inciso I do“caput” deste artigo, independente das atividades constantes no Cadastro Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) da empresa, apenas os estabelecimentoscomerciais ou que produzam pão e artigos de panificação, ou que comercializem alimentos em geral como mais de 60% (sessenta por cento) de seus itens de venda e comercialize pelo menos 7 (sete) dos seguinte gêneros alimentícios: I carnes; II leite; III feijão; IV arroz; V farinhas; VI legumes; VII pães; VIII café; IX frutas; X açúcar; XI óleo ou banha; e XII manteiga. Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por ITALO FERNANDO PONTES DE CAMARGO FERRO, liberado nos autos em 26/03/2021 às 12:19 . Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1002909-52.2021.8.26.0037 e código 3B9DF94. fls. 72 citados acima quanto à pobreza e seus reflexos. Na lista não se vê produtos básicos ou essenciais na mesa do brasileiro como macarrão, suco, soja e tantos outros produtos, realmente trata-se de uma escolha política. Como é possível determinar o percentual mencionado e escolher os produtos que podem ou não integrar a lista apresentada? O decreto simplesmente determina os percentuais sem qualquer critério científico ou estudo social. Nesse ponto, repita-se, fica patente o viés político nas escolhas feitas no instrumento normativo. O pequeno comerciante com outras variedades de produtos, mesmo que tenha 50% (cinquenta por cento) dos itens voltados aos alimentos, terá que sofrer o prejuízo dos seus produtos, porque infelizmente não atinge o percentual desejado no decreto municipal. Não há como aceitar a imposição. Face a completa ausência de critérios razoáveis para tais escolhas, além de todos os temas jurídicos exaustivamente enfrentados, não há outro caminho que não seja o reconhecimento da inconstitucionalidade do referido decreto na sua integralidade, visando permitir a atividade comercial, imprescindível à população. Logo, essencial por todos os ângulos. Ante o exposto, uma vez presentes os requisitos do artigo 7º, inciso III, da Lei n.º 12.016/09, DEFIRO a liminar pleiteada para afastar o Decreto Municipal n.º 12.507/2021 por entendê-lo inconstitucional, bem como os subsequentes decretos na mesma linha normativa, com exceção dos horários de funcionamento do comércio ali estabelecidos. Ante as várias ofensas das garantias constitucionais acima anunciadas, autorizo a volta das atividades do comércio de Araraquara, para que os empresários possam desenvolver o seu comércio com atendimento presencial, drive thru e delivery, no entanto, deverão observar rigorosamente as restrições impostas pelas autoridades de saúde e recomendações da OMS quanto ao uso de máscaras, tapetes sanitizantes, álcool em gel pelos funcionários e consumidores, com distanciamento mínimo um metro e meio4 entre as pessoas no interior do estabelecimento, conforme determinou o Governo do Estado de São Paulo, evitando-se as aglomerações. Expeça-se ofício. 4 Mantenha distância de 1,5 m e lave bem as mãos | Coronavírus (coronavirus.pr.gov.br) Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por ITALO FERNANDO PONTES DE CAMARGO FERRO, liberado nos autos em 26/03/2021 às 12:19 . Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1002909-52.2021.8.26.0037 e código 3B9DF94. fls. 73 Requisitem-se as informações, que deverão ser prestadas pelo impetrado, no prazo de 10 dias. Intime-se o representante judicial do ente público na forma do art. 7º, inciso II, da Lei n.º 12.016/2009. Prestadas as informações ou decorrido o prazo, dê-se vista ao Ministério Público e tornem os autos conclusos para sentença. Intime-se e cumpra-se. Araraquara, 26 de março de 2021
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