25/05/2020 às 12h51min - Atualizada em 25/05/2020 às 12h51min

25 de maio de 1977 – o dia que nunca terminou

Por Guilherme Jorge da Silva

A década de 1970 marca uma ruptura da denominada “Velha Hollywood” –  ou a Hollywood dos anos dourados, de Michael Curtiz, Orson Wells, Frank Capra, Billy Wilder, Alfred Hitchcock e Cecil B. Demille – com a nova hollywood de alguns novatos que chutaram o balde da narrativa cinematográfica: Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Steven Spielberg, Brian de Palma, Ridley Scott e Roman Polanski. Inspirados nos grandes nomes do cinema de outrora, esses “novatos” tinham o objetivo de mudar a linguagem do cinema, modernizando-a. 

Até então, bilheteria de milhões era um evento. Para se ter uma idéia, “....E o vento levou”, maior bilheteria de todos os tempos corrigida a inflação, em 1939 arrecadou mais de 300 milhões de dólares no mundo inteiro. Era um marco incompreensível. Alfred Hitchcock, o mais bem sucedido diretor de sua geração, tem em Psicose (1960) a maior bilheteria da sua carreira, com 50 milhões de dólares em um orçamento de meio milhão.

Fazer grande bilheteria era uma arte dominada por poucos. Até 1975, quando Steven Spielberg inaugurou o conceito de blockbuster com tubarão (1975), um sucesso de público e crítica que arrecadou nada menos que meio bilhão de dólares. Até então só o filme de Scarlett O´Hara chegava perto dessas cifras. Até então.

O termo Blockbuster se consagrou como um conceito que envolvia um filme com grande marketing e, sobretudo, sucesso financeiro. Qualquer filme acima de 100 milhões de dólares se encaixa nessa categoria. Talvez hoje, tudo ou quase tudo do circuito comercial pode ser considerado Blockbuster.

Um outro novato, chamado George Lucas, também estava estabelecendo seu nome na indústria. Diretor de THX 1138 (1971) e American Graffiti (1973), apenas em 1977 conheceríamos o potencial de estrago (no bom sentido) de Lucas e como ele mudaria definitivamente a forma como concebemos, pensamos, fazemos e assistimos cinema.

Star Wars

Claro que nessa altura do campeonato você já sabe que estamos falando de Star Wars, a mais importante franquia da história do cinema e da cultura pop. Em Uma nova esperança (1977) George não tinha ideia nenhuma de onde a história de um pistoleiro das galáxias iria parar. Ele estava seguindo a maré, e nós agradecemos e muito por isso.

A Jornada do Herói que envolve os antológicos personagens Luke, Léia, Han, chewbacca, R2D2 e C3PO é apenas a ponta do iceberg de um amálgama de referências. Se a narrativa segue os preceitos de Joseph Campbell, a imagem representa toda a bagagem do diretor com seus maiores mestres do cinema. 

Não é exagero considerar o filme como um Faroeste à lá Leone ou Ford, pois as areias de Tatooine carregam de fato características do gênero. O formato humanoide e dourado do C3PO, encarregado de ser o fio condutor durante toda a saga com R2D2, evoca o expressionismo alemão - sobretudo o clássico Metropolis (1927), do alemão Fritz Lang. O letárgico embate entre Ben Kenobi e Darth Vader carrega muito mais do que as limitações físicas de um asmático alquebrado e de um senhor de idade que foi um dos maiores atores do cinema - aliás, Alec Guinness odiava a sua personagem -, era inspirado em lutas de samurais, com influência cinematográfica sobretudo do gênio Japonês Akira Kurosawa.

Claro, do ponto de vista de ficção científica, não podemos esquecer Kubrick e seu 2001. Aqui há uma subversão, com um futuro desgastado, passado em uma galáxia muito, muito distante em tempos imemoriais. Tudo é sujo, velho e antiquado, bem diferente da estética concebida em 2001. Lucas também se permite desgarrar das regras científicas, criando uma fantasia galáctica totalmente original e com influências primorosas. A propósito, Flash Gordon está bem vivo no letreiro pulp indissociável da narrativa proposta.

Portanto, não é de se estranhar que no dia 25 de maio de 1977 o cinema jamais seria o mesmo. Quando o letreiro amarelo subiu ao som da trilha composta sob medida pelo gênio John Williams, não havia retorno. Não tinha como segurar a onda. Star Wars: uma nova esperança se tornou a maior bilheteria da história cinematográfica em todos os tempos até então, com a bagatela de 775,5 milhões de dólares. Os executivos da Fox comeram poeira, em um acordo onde abria mão dos direitos autorais em prol da bilheteria do filme. Esse dinheiro, quase 1 Bilhão, seria de pinga diante a fortuna que Lucas faria com produtos sob medida para uma base fiel de fãs.

Com tamanho sucesso, Lucas deu continuidade e constituiu a mais bem acabada mitologia cinematográfica. Em O Império contra-ataca (1980) conhecemos yoda e um dos maiores plot twist de todos os tempos, tão manjado quanto a morte de Marion Crane em Psicose; já em O retorno de jedi (1983) temos um primeiro arco primoroso e a derrocada imperial. Lucas se tornaria um dos nomes mais influentes do mundo do entretenimento, por muito tempo uma espécie de papa do mundo nerd.

Entretanto, para o criador a criatura nunca está encerrada de fato. A trilogia clássica estabeleceu um rigor técnico de efeitos especiais único - tendo reflexo na fundação da Light and Magic e na THX sound, ambas sob o guarda-chuva da Lucas Filme – mas insuficiente para contar a história dos anos dourados da hegemonia Jedi. Em 1999 temos o retorno da franquia, com a A ameaça Fantasma arrecadando mais de 1 bilhão de dólares e uma chuva de críticas negativa. Seria seguido de Ataque dos clones (2002) e A vingança dos Sith (2005), sendo este último o melhor da trilogia prequela.

Claro, Lucas tinha todo o direito de contas a história do Darth Vader. Mas talvez ele não contasse com a exigência dos fãs. Apesar de retratar com elegância os bastidores político, ao abrir mão de determinadas influências, Lucas erra. Mas nada que comprometa a saga como um todo. Cansado, em 2012 resolve vender a franquia para a gigante Walt Disney, se tornando o homem mais rico do mundo do entretenimento, com uma fortuna pessoal avaliada em mais de 5 Bilhões de dólares. O dono da bola se retirava do campo.

O que ninguém imaginava – talvez nem o próprio Lucas – era a fidelidade e o carinho dos fãs de Star Wars. A saga nunca perdeu o fôlego em mais de 42 anos de existência. Quantas franquias no mundo do cinema tem tamanha resiliência? É um caso único que marca gerações de pais e filhos entre 1977 e 2020. Não existe paralelo na cultura pop. A trilogia sequela da Disney, embora de qualidade bem duvidosa, tem todos os três filmes acima da casa de 1 Bilhão de dólares e O despertar da força (2015) a 4 maior bilheteria de todos os tempos e um dos 5 filmes a superar a marca dos 2 Bilhões de dólares.

 E entre sabres azuis, chiados asmáticos, bips robóticos e correntes de Léia Slayer, Star Wars está aí. É uma realidade. Influenciou toda a cultura pop e boa parte do cinema: seja o Alien (1979) de Ridley Scott, o mundo fantástico de Tolkien e Peter Jackson, Katsuhiro Otomo e seu Akira (1988), James Gun e seu Guardiões da galáxia (2014), Christopher Nolan e Interestelar (2014), a arte de Luc Besson no O quinto elemento (1997) e as viagens no tempo tão bem tecidas por Robert Zameckis para Marty Mcfly em De volta para o futuro (1985). 

Viu como a jornada do herói era só a ponta do iceberg? Além de marcar o dia do nerd devido a toalha de Douglas Adams no seu O Guia do Mochileiro das Galáxias (livro de 1979), o dia 25 de maio de 1977 marca o dia da premiere do filme que justifica o presente artigo. O dia que nunca terminou.

Toda a saga Star Wars está disponível na Amazon Prime.


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